terça-feira, 2 de julho de 2013

OS NOMES DAS COISAS E DO HUMANO - POR LIVIO OLIVEIRA - TRIBUNA DO NORTE, 02-O7-2013.


LIVIO OLIVEIRA

Todos os dias, antes das cinco, abro bem as janelas do meu quarto e fico ouvindo, mesmo que em meio a um sono residual, a algaravia fantástica dos pássaros que vêm brincar e saudar o sol derramado na praça em frente ao meu prédio. É o momento em que me alimento das mais puras esperanças, imaginando uma jornada profícua, mesmo que dura. Satisfatória, mesmo que difícil. Aqueles pássaros cantarolando valem muito mais que dezenas de caixas de antidepressivos ou centenas de páginas dos chamados livros de auto-ajuda. Recomendo, portanto. Fortemente. Em meio àquele turbilhão de sons doces dos pássaros ocorre que me bate, de repente, uma grande inveja. Tenho inveja de um amigo meu, um compadre de velhos e muitos bons tempos, que sabe os nomes de todos os pássaros e reconhece os seus cantares. E tem mais: esse meu parceiro das antigas e das contemporâneas sabe, como ninguém sabe, os nomes de todas as árvores nordestinas. Reconhece todas pela folhagem, pelas cores, pelas formas das raízes, pelos movimentos pendulares e balançantes diante dos ventos natalenses. O meu amigo é um sábio. E eu invejo os sábios. Não me envergonho por isso. Antes tenho orgulho. A minha imagem sentimental e a minha inveja crescem porque o meu amigo também toca violão. Nunca aprendi a tocar um instrumento musical. Esse, um dos meus maiores complexos, sofrimento mesmo. Só faço uns barulhos estridentes numas gaitas. Alguém disse que me ensinaria e nunca ensinou. Ainda bem que o meu filho Bruno toca maravilhosamente bem. E já conhece os Beatles. Fomos até a um show de Paul McCartney, algo inesquecível numa relação pai-e-filho. Acho que Carolina também tem a musicalidade nas veias, claro. Só fico triste porque não está mais no Balé. Mas, fazer o quê? Adolescentes sempre querem e fazem sempre novas e surpreendentes escolhas. E dou força e dou fé. Voltando ao meu compadre, relembro que também sabe cozinhar. São poucos os homens que conheço que sabem cozinhar. E ele faz um peixe maravilhoso. Busca lá no Canto do Mangue, trata, salga, tempera e shhhhh...a frigideira chia com aquele perfume maravilhoso infestando e “enfestando” os ares dos sábados cervejeiros. E o meu amigo sabe os nomes dos peixes. Puxa vida! Poderia ele minimizar a minha inveja? Não. Ele não é o responsável por isso diretamente. Ou melhor, é que talvez nem saiba que o invejo. E muito. Por isso eu vivo o homenageando. Em minha memória e em meu coração. O meu amigo velho é bom demais. É gente. Humano e muito. Demasiado. E isso só nos traz felicidade e a todos que compartilham de um bom papo com ele, filosofando generosamente no balanço da rede, trazendo de volta os tempos de outrora, fazendo planos de poesia. Minha mulher também é fã desse meu amigo, que esteve e está presente em várias situações de nossas vidas, boas ou ruins. Sempre presente. E toda vez que ouço um cantor antigo, um cantor de Bolero, um cantor de Tango, ouço o meu amigo, que expressivamente canta as melhores canções. O meu amigo também canta, é verdade. E sabe os nomes de todas as músicas. O meu amigo é feliz e me traz as melhores referências. E o motivo é um só: ele sabe os nomes das coisas, dos animais, das árvores e das gentes. Porque é integralmente gente, até o último fio de seus bigodes. Humano é o meu amigo. E jamais deixará de ser.


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