quinta-feira, 5 de março de 2015

TIBAU DAS SERENATAS E DO " FORÓ MUSIC" - POR TOMISLAV R. FEMINICK


No início de 1967, o prefeito de Mossoró, Raimundo Soares, inaugurou o serviço de luz elétrica da praia do Tibau, obra da COMEMSA - Cia. Melhoramentos de Mossoró S/A, realizada com recursos do Ministério de Minas e Energia. Varias casas foram interligadas ao sistema, as ruas foram iluminadas com lâmpadas de alta voltagem e a orla marítima com lâmpadas de vapor de mercúrio. A usina de força instalada contava com dois grupos geradores, com potência total de 100 HP e todo o sistema de distribuição (postes, fiação, transformadores e disjuntores) foi projetado para, no futuro, receber a energia da CHESF - Cia. Hidro Elétrica de São Francisco. Esse foi o começo da grande transformação por que passaria a bela praia potiguar. O Município de Tibau está localizado na extremidade setentrional do Rio Grande do Norte e é o ponto extremo do noroeste do Estado, fazendo fronteira com o Ceará. Sua temperatura média gera em torno de 27 graus centígrados e tem uma população fixa de aproximadamente 4.000 habitantes. Segundo os historiadores Luís da Câmara Cascudo e Theodoro Sampaio, Tibau é nome de origem tupi (ti+paú ou ti+paum) e significa lugar entre duas águas; no caso os rios Jaguaribe e Mossoró. A primeira referência histórica ao lugar data da época da invasão holandesa. Em 1641, quando Gedion Morris Jonge (Gedeão Morritz ou Gideon Morris de Jorge), o então comandante das tropas holandesas no Ceará, descobriu as salinas naturais localizadas nos estuários dos rios Jaguaribe e Mossoró, chamou a região de “Morro Vermelho”, talvez pela coloração das terras do local. Em julho de 1708 a coroa portuguesa deu uma sesmaria a Gonçalo da Costa Faleiro, que ia “do morro de Tibau até por três léguas terra adentro”. A povoação de Tibau voltou a aparecer em relatos históricos em 1888, quando a Câmara de Aracati “mandou medir terrenos à margem esquerda do Mossoró” e tentou estender os limites de seu Município, absorvendo terras das localidades de Tibau e Grossos. Seis anos depois, o Estado do Ceará impetrou ação no Supremo Tribunal, alegando “conflito de jurisdição”, que depois se transformou em “ação de limites”. Mesmo com a situação sub judice, isto é, em trâmite judicial, em 1901, o governo cearense aprovou Lei elevando Grossos à condição de Vila. O governador norte-rio-grandense reagiu e os dois Estados mandaram tropas para o local. Entretanto, não houve conflito armado. UM BELO CARTÃO POSTAL Tibau sempre foi um belo cartão postal, desde quando o lugar pertencia ao município de Mossoró, quando passou a integrar os municípios de Areia Branca e depois Grossos e agora, com autonomia política e administrativa. O antigo povoado de pescadores e de aventureiros do veraneio situava-se entre um círculo de dunas que tinham cores variadas, repetidas em múltiplos tons e beleza, até perder-se no som selvagem das folhas de centenas de coqueiros que cresciam além do litoral. A luz tropical ainda hoje cai em tom forte como se filtrada por poderosas lentes. Porém à tardinha o calor se amortece pelo soprar do vento “nordeste”, brisa que o atlântico empresta de seus alísios longínquos e brandos. Por essa beleza toda, por essa aparição sempre continuada e renovada de luz, cor e som é que a praia se consagrou como uma paixão dos seus frequentadores. Até os anos 1950 e início dos anos 1960, Tibau era um lugar bucólico, com vida pacata e ligada à natureza. Suas dunas, seus morros de areias multicoloridas, suas famosas fontes de água naturais (os afamados “pingas”), sua paisagem tipicamente tropical, tudo isso fazia com que fosse a praia escolhida pelos mossoroenses para os seus fins de semana e temporadas de meio e fim de ano. Sombra e água fresca eram o que não faltavam. As casas, mesmos as mais ricas, eram de taipa, sem estilo arquitetônico definido e tinham apenas de bom a comodidade, a falta de pretensão e o cultivo de um ambiente propício para o lazer absoluto. Isso tudo e mais um fundo musical que era regido e orquestrado pelo vento e o marulhar das ondas, onde navegaram as jangadas feitas com o autêntico pau-de-jangada (Apeiba tibourbou). Nas noites sem lua, os jovens se reunião no “morrinho” em frente da casa do “velho Lauro” (o jornalista Lauro da Escóssia) para cantar, tocar violão e namorar. Quando havia luar era a vez das serenatas, dos bailes nas casas das famílias ricas e das danças no “forró de Pedro Cem”. E havia a peixada de Belisa, com um sabor que somente ela sabia preparar. Tudo isso fazia que se sentisse a presença do dedo de Deus na feitura desse lugar que era único. E AI VEIO O PROGRESSO O cenário mudou em escala crescente com a chegada do progresso. Nos meses de veraneio apareceram os primeiros biquínis, inaugurando um tempo de espanto para os mais conservadores. Jovens cabeludos apagaram o hábito antigo das serenatas, substituindo-o pelo som de guitarra de rock. Atualmente é a vez do axé, da música sertaneja, do baião e do xaxado, estes últimos nas versões brega e music (seja lá o que isso for) e dos paredões de som. Depois da luz elétrica veio o asfaltamento da estrada Mossoró-Aracati e do ramal que se bifurcava em direção da cidade de Grossos e depois da própria vila. As casas dos veranistas passaram a ser construídas de tijolos (e algumas até com pisos de mármores) e erguidas sobre os morros e as rochas; algumas até fora da orla marítima, que deixou de ser exclusiva. De tanto crescer, a cidade invadiu terras do Estado do Ceará, implantando um distrito do Município de Icapuí, a ela geminado. De repente tudo se valorizou; terrenos, mão de obra e até o peixe aumentaram de preço. E, grande paradoxo, hoje, na alta temporada, nas ruas estritas já é comum haver engarrafamento de veículos. O sossego, a quietude, o repouso deram lugar ao agito, ao “stress do veraneio”. A MORTE DOS MORROS DE AREIAS COLORIDAS A paisagem dos morros de Tibau, pelos seus variados aspectos e beleza, lembrava cenas de um mundo perdido. Dunas de um vermelho vivo, montes de um marrom brilhoso, outras partes de uma areia preta espelhada e de outras cores. Milhares de fotografias enchiam álbuns de turistas com a beleza das pequenas montanhas, dos canyons e morros de areia coloridas. O souvenir principalmente dos turistas eram as garrafas de areia com desenhos de cores variadas e com motivações diversas; areias dos morros de Tibau. Porém havia um outro lado da história: os morros da vila valiam muito dinheiro como especulação imobiliária e, também, havia quem dizia, como material estratégico de alto preço. As areias dos morros nada mais seriam do que uma mina de areia monazítica a céu aberto, contendo uma mistura de minerais pesados (alguns atômicos) como fosfato de cério, lantânio, praseodímio, neodímio, óxido de tório, granada, ilmenita, titânio, a própria monazita e significativa quantidade de urânio. São esses minerais que lhe dão esse colorido variado. Foi por seu valor que as terras dos morros de Tibau foram separadas e demarcadas por cercas e marcos divisório, visando estabelecer direito de posse, para futuros loteamentos urbanísticos ou exploração mineral. Os posseiros não eram forasteiros, porém não eram nativos da vila. Posteriormente, os morros foram nivelados e hoje a cidade invadiu toda a área que anteriormente era das dunas e dos canyons coloridos. O PREÇO DA EVOLUÇÃO Nos períodos de férias, quando as pessoas são atraídas pelas belezas remanescentes da praia de Tibau, a população da cidade cresce quase 25 vezes; os quatro mil habitantes se transformam em quase cem mil pessoas. Como polo de atração turístico, a praia recebe esse imenso contingente de população flutuante e, também, os problemas que advêm com esse gigantismo, esse crescimento excepcional. Por mais aparelhada que a cidade esteja, os problemas rompem as barreiras de proteção e marcam presença. A praga nacional das drogas e sua companheira inseparável, a violência, movimentam a vida policial da outrora pacata vila de Tibau. Consumo de drogas, furtos, roubo, assassinatos não são acontecimentos ausentes. No início da atual temporada foram registrados casos de arrombamentos a casas de veranistas. No dia 26 de dezembro passado, um empresário da cidade, após consumir cocaína, atirou em uma menor e em seguida se suicidou. No dia 4 de janeiro, em uma tentativa de assalto, um suspeito foi morto e outro baleado. Quatro dias depois, um corpo não identificado foi encontrado na praia de Manibu, em Icapuí-Ce, Município que faz fronteira com Tibau. Note-se que duas dessas ocorrências aconteceram fora das cercanias da cidade praieira. Todavia a praia de Tibau continua a ser um dos cartões postais por excelência do turismo potiguar. Ainda restou alguma coisa dos morros de areias coloridas, tem a pedra do chapéu, próxima à fronteira do Estado com o Ceará, e as falésias, com abrupta queda para o mar. Ainda dá para se deitar em uma rede e dormir ao som do marulhar das ondas e do embalo do vento que vem lá do alto mar-atlântico.

domingo, 1 de março de 2015

DO QUOTIDIANO EU FAÇO CRÔNICAS – POR EDUARDO GOSSON (*)



JACINTO, UM HOMEM BOM

 Para quem não sabe Jacinto é o meu barbeiro ou melhor dizendo o nosso barbeiro. Ele mora e corta cabelo lá na Rua Juvino Barreto, próximo ao restaurante do SESC, quase no lugar onde viveu o poeta Antonio Pinto de Medeiros. Jacinto tem uma particularidade que o distingue: ele corta os cabelos dos nossos homens de letras e a sua cadeira é mais disputada do que as da Academia Norte –Rio-Grandense de Letras. Na barbearia do seu Jacinto funciona uma pequena biblioteca de autores potiguares, sem burocracia. Vejamos os escritores que ajeitam o seu visual com Jacinto: Deífilo Gurgel (in memoriam). Tem vários livros autografados pelo nosso poeta e folclorista; Moacyr Cirne (in memoriam) foi uma indicação minha. Encontrei-me com o papa do Poema-Processo em plena Avenida Rio Branco e este me disse que gostaria de cortar o cabelo e aparar a barba com um barbeiro tradicional. Foi e gostou. Nunca mais deixou de ir; Eduardo Gosson, Ubiratan Queiroz, irmão da cineasta Jussara Queiroz, entre outros. Mas o que mais chama atenção em seu Jacinto são três elementos: simplicidade, humildade e bondade. Quando vou até lá cortar os poucos cabelos que restam não dá mais vontade de ir embora. Seu Jacinto ao contrário do poema de Luís Carlos Guimarães não é necessariamente funcionário publico, mas tem mulher, filhos (o3) e (05) cinco netos. E também não mora no Edifício Flor das Laranjeiras; seu Jacinto mora em nosso coração! Viva o povo brasileiro! (*)Eduardo Gosson é poeta. Presidiu a União Brasileira de Escritores – UBE (2008-2013)