quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

MENSAGEM DO ARQUITETO MOACYR GOMES DA COSTA, AOS DIPLOMANDOS DO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNP.


MENSAGEM DO ARQUITETO MOACYR GOMES DA  DA COSTA, AOS DIPLOMANDOS DO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNP.
   EXMA. SNRA. PROFESSORA SÂMELA SORAYA GOMES DE OLIVEIRA, MAGNIFICA REITORA DA UNP, RESPEITÁVEIS MESTRES QUE DOARAM SEU SABER A ESTES JOVENS DIPLOMANDOS, AOS PAIS, INCANSÁVEIS COMBATENTES NESTA VITÓRIA, AOS FUNCIONÁRIOS, INDISPENSAVEL SUPORTE NA VIDA UNIVERSITÁRIA, CAROS NOVOS COLEGAS ARQUITETOS E URBANISTAS, MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES: “A ARQUITETURA É UMA MÚSICA DE PEDRAS E A MÚSICA É UMA ARQUITETURA DE SONS” dizia Beethoven há dois séculos passados. O Governador potiguar Cortez Pereira considerava um “POEMA DE CONCRETO” a Arquitetura de um estádio, que inaugurava há 42 anos atrás. O famoso cronista esportivo João Saldanha dizia que o mesmo seria uma “obra prima” quando concluído. Esses pensamentos revelam a importância do ARQUITETO na própria história das artes e da evolução humana. Sendo uma das primeiras atividades do homem em sua trajetória histórica, nos deixa o acervo material que permite o estudo de todo o processo evolutivo da humanidade através do tempo. Assim, a Arquitetura como ARTE, conduz o Arquiteto, aliando a beleza à função, entregando-se com paixão, criatividade e emoção à difícil tarefa de buscar a qualidade de vida do ser humano, cabendo ao Urbanista propor politicas e ações em prol do bem estar de todos os cidadãos, tentando diminuir as desigualdades sociais, procurando a FELICIDADE de todos, na cidade de todos. Isto pode parecer utopia, mas é uma tarefa nobre e prazerosa, que conduz a uma missão das mais elevadas, por isso mesmo, árdua, difícil, quase sacerdotal. Neste instante em que estes novos profissionais entram no mundo da arquitetura e do urbanismo, quero exaltar sua escolha para o tradicional nome de turma, adotando o título de ”POEMA DE CONCRETO”, em indiscutível referência àquele estádio que encantou Cortez, uma obra arquitetônica consagrada que tinha ultimamente o nome popular de “MACHADÃO”, que levou mais de meio século para ser realizada, superando os percalços de uma verdadeira Odisseia, incorporou-se à vida da cidade por 40 anos, tornou-se um marco arquitetônico do seu patrimônio público, por definição, intocável, e que, lamentavelmente teve fim infausto, criminosamente destruído, por motivos escusos, cujo mérito não cabe comentar, neste recinto de alegria e comemoração. Esta turma, quando inspirou-se na emoção de Cortez para escolha de seu próprio cognome, não só atestou a qualidade arquitetônica do patrimônio em comento, como quis prestar uma justa homenagem ao grande espírito daquele notável homem, que orgulha o Rio Grande do Norte. E, porque não dizer, sem falsa modéstia, que, ao me honrarem com o título de Patrono, nesta solenidade, me brindam e recompensam pela mutilação que todos sofremos. Discorrer sobre a perda de algo que custou 50 anos de vida, é profundamente penoso, mas encontra consolo na atitude madura e justa destes colegas ao resgatarem a memória de um patrimônio arquitetônico que nos orgulhava. “POEMA DE CONCRETO” foi a imagem primorosa construída pelo arrebatamento de entusiasmo do grande Governador José Cortez Pereira de Araújo, conhecido por sua cultura, sensibilidade e notável senso de otimismo, no momento em que inaugurava o novo equipamento, logo consagrado por toda cidade, mas infelizmente destruído, no momento em que o Brasil abdicou de sua soberania em troca de um ilusório “legado” de benesses, ditas salvadoras da pátria, podendo resultar em canto das sereias. Nada deste patrimônio restou, senão lembranças e fotos. Nada do que se disser agora, recuperará o patrimônio perversamente perdido para sempre, mas será justo rememorar sua história, até como reconhecimento a todos os abnegados que o realizaram acima de qualquer interesse, e também para exaltar a maturidade e senso de cidadania do gesto desse grupo que, nos festejos de sua primeira vitória, se preocupa em resgatar a memória do poema destruído, até como repúdio aos que cometeram essa iniquidade. Inegavelmente aquela obra de arquitetura era uma das referências da cidade, um dos seus pontos de atração e lazer, incorporou-se aos usos e costumes, trouxe a família e a elegância feminina para o estádio, virou cartão postal, e passou a exibir os maiores jogadores do Brasil e do mundo tais como Pelé, Eusébio, Zico, Sócrates, Falcão, Marinho Chagas, e a nível local Scala, Ivan, Alberi, Danilo Menezes, e muitos outros; teve eventos com mais de 50 mil espectadores; entrou no coração do povo como um dos seus patrimônios mais queridos; teve seus dias de glória, e depois, de abandono e ocaso, até sua extinção programada. A história começou em 1949, nas vésperas da Copa de 1950, quando conheci o Professor Pedro Paulo Bernardes Bastos, um dos arquitetos do Maracanã a quem informei meu desejo de especializar-me em arquitetura esportiva. Voltamos a nos encontrar em 1954, quando eu concluía meu curso, e ele, como orientador dos nossos trabalhos de encerramento, sabedor de meu desejo vocacional me indicou o tema de um complexo olímpico, como primeiro desafio às minhas pretensões. Apresentei então o estudo preliminar do que chamei de Complexo Olímpico de Lagoa Nova, constituído por Estádio Olímpico, Estádios de Natação, de Tênis, Ginásio poliesportivo, Alojamentos, etc., projeto que veio posteriormente a ser mutilado, por interesses políticos, (velha saga que persegue o Arquiteto) sendo construído apenas o estádio e precariamente o ginásio, improvisado em local que mal lhe cabia, vez que o terreno para ele previsto, já havia sido invadido. Assim, aquela simples rotina universitária, de conclusão de curso, transformou-se para mim, num sonho ambicioso, pois o Professor Pedro Paulo aprovou com louvor meu trabalho, incentivando-me a assumir o compromisso de torná-lo o primeiro objetivo de minha carreira profissional que ali se iniciava. De meados de 1955 até 1959 residi em Natal, a convite do Governador Dinarte Mariz, prestando serviços profissionais ao Estado, e nesse período firmamos sólida amizade pessoal que perduraria para sempre, e muito ajudou na consecução de nosso desiderato. Juntei-me aos velhos desportistas de minha adolescência, fazendo parte de uma renitente comissão de luta pelo esporte, já naquele momento sonhando com um novo estádio, pois o velho Juvenal Lamartine já dava mostras de sua decadência. Em 1959 o governador prometeu a doação de um terreno vizinho ao atual Centro Administrativo do Estado, local conhecido na época como “corrente”, condicionando à um documento que lhe desse respaldo político. Fui ao Rio de Janeiro e trouxe o documento assinado pela autoridade de Saturnino de Brito. Nessa empreitada contei com o acompanhamento do Jornalista Aluizio Menezes, que dava cobertura ao empreendimento. O donatário era a Federação Norte-rio-grandense de Desportos, que, mediante convenio, repassou para a Prefeitura de Natal sob a batuta do grande desportista Djalma Maranhão que imitiu-se na posse do terreno, fez a cerca e a terraplanagem, e, quando ia iniciar a construção, teve que se exilar no Uruguai, onde morreu de saudade de sua querida Natal, como se sabe, em consequência das injunções políticas do regime então vigente, tornando-se a primeira vitima das inúmeras dificuldades que iriam perseguir aquele empreendimento, como uma bruxa do mal. A obra parou, até que entre 1966/67, o Prefeito Agnelo Alves, fundou a FENAT- Fundação de Esportes de Natal, que, sob o comando de Ernani Silveira recomeçou a obra em ritmo acelerado. Já em 1967, o “Agnelão”, andava bem, até que em 1969, o regime político fazia de Agnelo a segunda vitima da batalha, tendo seu mandato interrompido, mas deixando a obra com o mínimo de 40% executada, tornando-a praticamente irreversível, porém, sem destino certo. Em 1971 assumia o governo, Cortez Pereira, fazendo seu Prefeito o Engenheiro e Arquiteto Ubiratan Galvão, reconhecidamente bom administrador, que logo percebeu a necessidade de dar continuação ao empreendimento, já sob o cognome de Castelão, em homenagem ao Presidente Castelo Branco. Eis que, mais uma vez a bruxa se soltou, e uma crise política tirou o terceiro prefeito do projeto, até que Jorge Ivan Cascudo Rodrigues, substituto do Prefeito Ubiratan, com apoio de Cortez Pereira, decidiu continuar a obra. Foi aí que a bruxa nos deu uma trégua. Viajei ao Rio de Janeiro em agosto de 1971 com uma carta de apresentação de João Machado para seu amigo João Havelange, Presidente da CBD, hoje CBF, o qual, apesar de nos desiludir de qualquer ajuda financeira, me autorizou a dizer aos nossos governantes que se garantissem entregar o equipamento pronto em 11 de junho de 1972, Natal seria chave do torneio do Sesquicentenário da Independência, uma espécie de mini-copa do mundo, garantindo ainda mais, que mandaria a seleção portuguesa, bem classificada no ranking, com a presença do grande craque moçambicano Eusébio, “Bota de Ouro” da Copa de 1966, considerado o Pelé português. Tudo deu certo, e Natal teve alguns dias de festa e visibilidade no mundo do esporte, desfilando aqui as seleções do Chile, Equador, Irlanda do Norte e Portugal, tendo terminado o torneio no Maracanã com o Brasil Campeão, e Portugal Vice. Pode-se dizer que o Machadão ofereceu 40 anos de alegria honesta e barata ao povo de Natal, cujos abnegados realizadores são agora reconhecidos e nominados, embora me pese o risco de cometer omissões involuntárias de memória. São eles, Silvio Pedrosa, Ernani Silveira, Luis G. M. Bezerra, João Machado, Humberto Nesi, Dinarte Mariz (doador do terreno), Djalma Maranhão, que começou a obra, Agnelo Alves, que a deixou irreversível, Ubiratan Galvão, e, Jorge Ivan Cascudo Rodrigues, que concluiu a obra em parceria com Cortez Pereira, que a inaugurou. Destaque-se os Calculistas Helio Varela de Albuquerque, e José Pereira da Silva, que criaram um partido estrutural “poético”, legítimo exemplo de engenharia estrutural de alta qualidade a nível de 1º Mundo, tudo executado na, ”munheca” pois não tínhamos qualquer equipamento mecânico requerido para esse tipo de obra, o Topógrafo era João Alves Santana, os Engenheiros Mário Sergio de Viveiros e Luis Fernando Melo e a inesquecível dedicação dos Engenheiros Antônio de Menezes Lira e Luciano Barros, que colocaram a obra acima dos seus interesses empresariais. Registre-se os Auxiliares Administrativos José Alexandre de Amorim Garcia, Rossine Azevedo e Moisés Dieb, os Desenhistas Rubens Ferreira Campos e Wilder Barbosa, que fizeram o milagre de desenhar um projeto de alta complexidade geométrica, a mão livre, com bico de pena, em escala 1:200 (não existia ainda o autocad), desenhando sobre portas de compensado improvisadas de pranchetas de desenho, com a areia das dunas e nuvens de pulgas entrando pelos cobogós. Os engenheiros e arquitetos de Natal perderam a oportunidade de eternizar este momento histórico, ficando indiferentes à estúpida e desnecessária demolição do patrimônio, cumprindo a lamentável vocação de desprezo ao que é nosso. Isto é memória, e, povo sem memória não tem história, e, Infelizmente o Rio Grande do Norte tem se revelado campeão da “desconstrução“ e do “desperdício” em detrimento de seus valores, daí a relevância do gesto nobre desta turma chamada “POEMA DE CONCRETO”. Por último, caros colegas, a título de exortação, diria que sua missão mais difícil é a de Urbanista. O Brasil tem hoje cerca de 106.000 urbanistas, praticamente sem maior utilidade, por ignorância dos governantes que não entendem a importância do planejamento urbano como a ferramenta maior para a qualidade de vida de uma comunidade. A grande maioria das cidades brasileiras está beirando o caos, com algumas notáveis exceções, como Curitiba, que além de soluções eficientes na mobilidade urbana, apresenta um índice de 64,50 m2 de área verde por habitante e 94% de índice de coleta de esgoto. Pelas estatísticas, em 10 anos Natal poderá ter o dobro da frota de veículos particulares, e uma população metropolitana perto de 1,5 milhões. Quantas copas a FIFA faria aqui, para suportar o “legado” necessário para atender a tão fantástica demanda? Por fim, espero que vocês venham a produzir outros poemas arquitetônicos, sejam de concreto, alvenaria, madeira, fibras ou até de aço, belos projetos de ambientação e paisagismo, mas o que realmente desejo é que procurem dedicar parte de seu esforço ao planejamento urbano, considerando que é tão agradável contemplar-se um poema de concreto, ou deleitar-se com a música de Beethoven, quanto ouvir-se a sinfonia de sons de crianças felizes brincando no Recreio de uma escola ou num parque público. Isso só é possível, numa cidade bem planejada. Esta é, no meu entender a missão maior do urbanista. Estarei torcendo por Natal e por vocês. Muito obrigado pela honra e pela alegria que me propiciaram

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