CANTO AO AVÔ AFRICANO
Procuro-te entre os demais
e não te encontro
talvez porque não aceitaste o convite
e o sonho do Brasil te foi imposto.
Vejo a tua sombra
e semente -
já que o teu corpo foi corrompido pela guerra
pelo açoite
e pela prisão.
Os demais estavam à mesa
e todos tinham nome e origem.
Tu, porém, sobreviveste
sem o pão e o vinho.
Trazem-me dos demais a linhagem secular
lenda ou fantasia
e vou encontrá-los nas igrejas
cartórios ou bibliotecas.
Quanto a ti
a memória se perde
num vago e nostálgico sentimento passado
que vai enfim morrer na praia
na selva ou no deserto.
Contra ti urdiram a morte histórica
relegando-te aos livros
de registros contábeis
às ignóbeis transações de compra e venda.
Mas ergue-te, avô, pois ainda vives
e tua vida é maior que a derrota nas armas.
Dá repouso à tua sombra.
Vê que te ofereço
- à luz do sol -
um banquete com as lavouras que plantaste
e a que não faltarão
os alimentos sagrados que o teu gênio criou
os teus ricos orixás
as raízes de teus cantos, ritmos e danças.
E verás que à mesa estará presente
um povo
uma nação
construída com o teu sangue.
Não me renegues, avô,
não é minha pele que te chama
mas a noite de tua ausência.
(Horácio Paiva)
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